sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

se o caminho certo estivesse na palma da minha mão
estaria dentro da tua pele com a solidão por companhia
e encantada com a música de fundo que sinto dentro dos teus olhos

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

reescrevo a tua imagem em modo esquecimento
e sigo o caminho das pedras em vez da curva do teu corpo
tenho uma estátua de pedra no coração com o teu perfil enclausurado
uma angústia ténue, uma saudade e uma festa em alvoroço
um cheiro doce na almofada
um receio de existir mais, de não sentir, de ter a pele transparente em contra-luz

tenho o fim escrito como uma tatuagem nesta nova pele
o amor esquecido no armário de veludo das recordações
o sangue rendido a outros sítios que não esta solidão
música e uma vontade de cantar alto quando a voz hesita desmesuradamente

um equilíbrio sem corda
sem vento
sem dor
com o compasso dos dias desalinhado num desconcerto de Inverno

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

transformo-me num novelo macio de algodão e deixo-me estar em silêncio de janela aberta à espera que o frio me desconforte e desperte os sentidos. tenho o sangue feliz e a pele ansiosa de espera e paixão


não durmo para que a vida não se esqueça de mim

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

tenho um arco-íris nos olhos
as mãos sujas de tinta
uma canção desafinada e doce dentro do coração

sei o sabor das bolas de sabão
da chuva quente
do amor
do amor
da paz e da dor perdida de ruas certas

sei a textura do chão e o húmido da roupa abandonada na marquise
sei a que sabe a amizade à flor da pele
conversas caídas em sacos costurados
a música distraída e depois a música de imaginação

o ter o corpo meu como pedra antiga
conhecer os sons novos como crianças tímidas

sei amar uma parede e um prego caído
uma manta uma almofada de veludo
uma canção desencantada no final de uma noite feliz

sem desiquilíbrio sei viver na corda que me molda os passos
sou mais eu nos cheiros da voz e da casa e dos dias tranquilos

sou o Amor dentro de uma preciosa caixa de madeira
em silêncio e contemplação
memórias em pó e estátuas na palma da tua mão

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

tenho a paz em pedra dentro do peito



pesa




mas tem um travo de hortelã ao ar livre

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

tenho vulcões na consciência
ruas desertas pintadas de fresco
cheiro a plástico rasgado e pó de armazéns
se começo de novo é porque me invado de nostalgia e horas ansiosas
sou um rascunho esbatido de um desenho final
livros de palavras desconhecidas e neutras que me suspiram nos ouvidos quando finalmente vem a solidão
aprendo a ler traço a traço e a cada respirar

terça-feira, 3 de novembro de 2009

construí um cubo
e agora vou plantar manjericos nos cantos e esperar que cresça
tenho-te em pecado e fantasia
em dias que anseiam a noite para se refugiarem em bolas de sabão felizes e sem contornos
imagino-te devagar
não podes ser o antes sem seres um novo acordar

és a minha poesia secreta

as ruas desertas

o segredo o crime o sangue vivo
ao ver poesia no metro
sou outras peles e outro acordar
despego-me sem pudor e esqueço o sabor do teu perfil
esqueço e despeço-me devagar
tento que ao menos as conhecidas pétalas de rosa não tenham murchado nesta tão longa ausência e que ainda tenha luz ao chegar a casa de pés molhados do rio Tejo

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

sou rosas com pétalas flutuantes
em suspenso numa corda de metal precioso
em ebulição

domingo, 20 de setembro de 2009

em forma de adeus aos meus olhos cansados imito o grito de uma garça
som de libertação e reinventar de músicas antigas

amo-te em cascas de noz no mar em dia de tempestade
seguro-te e quase não te sei suster no limite da pele de cada um dos dedos que te abraça no canto que a neve não perdoa de atordoada

amo-te no limite de cada um dos meus nervos do som tremido da voz que sabe e se esqueceu como cantar
hesito entre o amor e um chocolate quente
entre a rede de fumo e a de troncos de árvore
canto-te ainda que sem melodia
moldo-te às minhas imperfeições, roubo-te desumanamente e desenho-te em tintas húmidas sem papel nem arco-íris
só terra e roupa suja no chão
cerveja quente
dias chuvosos e chinelos
vidros e restos de jornais

e depois a primavera
e o cantar já sem som
o sono calmo
a lentidão da vida a subir-nos pelas pernas no quotidiano mecânico
um papel esquecido na almofada
uma música que se dança e uma telefonia
um carro o sol e a chuva repentina
vinho branco e o abraço certo
um papagaio de papel tosco e sem forma
uma rede fria
um rio

o encadeamento certo de um dia vulgar

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

No hábil existir na ponta dos pés
há palavras que dormem encantadas no desenho dos lábios
segredos como marcas de água no quotidiano
amor descontrolado preso num relógio lento de areia
Amor inscrito a cimento no leito macio de penas e suor
uma só noite e nela todo o encantamento

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

em solidão de tintas e manchas de café e cerveja arrisco perder o coração da poesia em troca de uma ignorância de olhos fechados ao pôr-do-sol
sou palavras vãs e silêncios infantis
dentro de uma casa fechada sou a janela que espera por abrir no calor da tarde
cada abraço tem hoje o deserto e um cálice de vinho tinto
sobrevivência e amor numa palavra entrelaçada

quinta-feira, 16 de julho de 2009

tenho-te em concha em caves dentro do peito
escondo rios de melancolia e medo de saber de cor a dor e o desamparo

sei-te em forma de cristal e vidro seco pelo mar
cega de luz e amor vejo-te reflectido e sem cortes
de pele imaculada desejo o sangue criador
e a paixão desmesurada de noites banais de toalhas e talheres gastos
cortinas em forma de toalha húmida de pranto e praias azuis

és o meu abismo e debaixo dos pés tenho só ar
tenho-te sem contornos dentro dos olhos e da esperança
tenho o teu perfil na memória como quem desenha as paredes de uma casa
tenho o medo e o desamparo gravados no ferro antigo dos meus dedos

e tenho as palavras desmaiadas
e os dias dolentes de intenções
e o amor, em queda livre

domingo, 28 de junho de 2009

Quero viver em ti todas as noites dolentes e quotidianas
sentir a presença como água corrente
o tempo da ausência como circuitos de lama em calçada inconstante
sermos dois numa ânsia de intenções amigas e confidentes

não quero espasmos de amor furtivo e desfocado
como uma solidão que dança o Tango em desalinho
coloco lentamente as palavras, uma a uma, sobre a mesa
e aguardo, dolente, a reacção

quinta-feira, 25 de junho de 2009

deixei perder caminhos enquanto a noite caminhava absurda sobre a terra
sem contornos onde me proteger da chuva, encontrei pedras perdidas e lancei-as ao mar
sem pudor ou qualquer outro traço de humanidade
tenho os ossos a comer a voz da minha alma estilhaçada
e os olhos pouco mais são do que faróis em falha eléctrica
sem distinção
tenho a doçura dentro dos olhos e o devir irreal que me mexe os dedos numa melodia inconstante
tento inquietamente ver cair no mar dores e cansaços
tenho gaivotas nos olhos
dias simples
poemas de palavras incoerentes
palavras engolidas perante a tua presença adormecida

pego nesta música e canto-a à desgarrada contigo
desafio verdades e camas lavadas
e crio um mundo inteiro entre a pele indecifrável das nossas mãos
cravo unhas na tua alma e espero que ela me entre nas veias como rio em fim de tarde de Agosto

sou outra estória em caracteres móveis e desconhecidos
e conheço pouco de mim, só o branco que me veste
a paz como cartas abertas e comovidas
a tua voz ao final do dia como brisa e chuva de pétalas de rosa

terça-feira, 23 de junho de 2009

na casa frágil imagino folhas de metal
casas invisíveis e quentes
um poema em gestos de um bailado entre a tua pele e o pulsar inquieto do meu respirar
palavras mudas de comoção e angústias silenciosas

são verdades mascaradas de melancolia em cada final de dia
silêncios que se escolhem a si próprios em estradas inviáveis
sou pouco mais do que esta poesia, tenho letras no limite da pele cansada de dores que me envelhecem os olhos escuros

preciso respirar perder as forças entre as tuas mãos correr persianas e encaixar-me em concha na tua beira-mar
preciso que me doam as tuas palavras lançadas em noites de amor e tempestade
preciso deste nevoeiro que te envolve

quando te faltar a estrada estou lá eu, tapete de veludo, com dias e relógios inteiros, com garrafas de água de noites mal dormidas

és o Norte se a Norte estiver o desabrigo e as bombas não se ouvirem mais

sou indesistível

barco gasto forrado a ouro e estórias tuas
um desespero de ausência
um desastre a mais dentro dos carris
uma outra coisa onde cada um de nós tem uma metade de uma folha branca, sem limite ou condição

quinta-feira, 18 de junho de 2009

não escrevo mais

espero que o poema se desfaça em gestos do quotidiano imaginário
espero dormente nos braços da solidão noites de outras músicas
novos quadros, outras tintas, marcas de mãos sujas de paixão e amor embrutecido

apago sem piedade os poros mortos de amor e desilusão
e deixo por baixo a folha em branco, um arco-iris de sombra em constante celebração

quarta-feira, 17 de junho de 2009

tenho peixes em vez de voz e um mar no lugar do coração
vivo no silêncio como quem desenha uma macia estátua de argila
sem pressa nem fogo de artifício, com amor à forma de poema que a terra cria sem dor
com a pele suspensa como seda em brisa de verão
tangente de luz e promessas de alfazema
com o pecado atravessado como brasas quase desmaiadas em final de noite

são linhas de ouro que no escuro sem cor ou paixão se tornam cordas de caixas velhas
são fantasia
imaginação
dolência na tarde que escorre e reinventa as horas
são um ponto de interrogação como bomba no não dito
são o real da fruta pisada e esquecida no cimo da mesa, do sol que nunca se esquece de adormecer e tapar falhas do corpo com a frescura da noite

tenho as tuas mãos nos meus olhos e sou só cheiro, fumo e incompreensíveis poemas recitados quase de cor
intuidos no som da tua voz, na palma quente da tua mão, no real do amor, das presenças, das músicas encontradas por acaso debaixo do tapete
do sono encaixado em si e no que ainda não vejo, mas que pressinto no arrastar dos dias
na angústia da distância, na paz destruída por borboletas pulsantes de água fresca

no ter-te aqui, debaixo da pele doente de fantasmas

segunda-feira, 15 de junho de 2009

numa estrada encontro a pedra solta que faltava
conto nos dedos das mãos cortadas de papeis silenciosos os segredos raros as respostas mais ousadas
o medo mais cego e dançante irmão de noites trementes e ansiosas
a terra real e amarga mas viva e pulsante de sangue sábio e sonos conciliadores

sou um novo corpo nunca real

sem verdade mas também sem ausência
numa luta desigual saiu vitoriosa a luz do Verão e uma aparição quase sagrada em forma de uma duas frases
um poema desenhado sem rascunho no teu perfil
deixo cair

já poucas colinas me atormentam
desenho a planície até que se acabe o lápis ou a força da mão
tenho mais textos do que sonhos ou poetas nos meus dias
tenho a razão numa dança frenética mesmo em cima dos meus olhos

e mesmo assim prefiro que caia na rua instável como quem me arranha os olhos em dia de dormência e nevoeiro

domingo, 14 de junho de 2009

estou debaixo de um arco poético para que parem de cair bombas aos meus pés
visto o meu melhor fato de fantoche e represento a nova cena teatral onde quase me engano e tanto me desconheço
perdi os meus contornos adormeço sem fadiga para que o relógio me trague as horas mornas

sou pouco mais do que fumo enquanto aqui estiver

quinta-feira, 11 de junho de 2009

cheguei ao meio do caminho
são mais do que nuvens negras são abraços doces de antigos fantasmas
são certezas que me cegam devagar e me dizem que o caminho que falta é apenas o cheiro do teu pescoço num final de tarde quase quente
são as dores relembradas e de repente o abismo sem asas nem o baile do algodão

é não ver nada e ter o coração dentro de uma caixa de vidro
é acordar sem força e recuperá-la com a recordação de cada uma das letras do teu nome

é não saber se o caminho vai a meio ou se o inventei em cartas amachucadas por trás da cama

é tão só saber ter a certeza de ti e nunca a ter teimosamente na janela aberta toda a noite

é este silêncio

as borboletas que não acalmam na máquina do dia
sou muito mais do que a terra criadora
sou raízes que teimam em beber amargamente
flores e pétalas quase desmaiadas em suspenso
águas escuras de teimosia e imaginação

outras histórias menos ou tão só reais como esta página em branco
silêncio vazio de móveis, paredes pintadas à pressa de emergir
desistência e quase dormência de existir

outros encontros dolorosamente físicos, feridas incuráveis e logo depois histórias e lareiras de inverno em lume leve. luz que se desloca em paz pelas divisões da casa. silêncio completo e acolhedor.

terça-feira, 9 de junho de 2009

seguro enebriada o rio que me inventa em noites como esta de compreensão e amor
e se me escapa das mãos é porque mais não pode que me inundar os pulmões porque passo a respirá-lo em vez do ar monótono e tranquilo

desisto da paz quero incêndios e animais selvagens quedas amparadas por mãos que nunca se atrasam intempéries e vozes que reinventam uma nova língua

o teu silêncio e de repente uma só frase

segunda-feira, 8 de junho de 2009

tenho o suicídio como peça de roupa no estendal
esquecido em marquises solares e incêndios de descuidos instintivos
feito pó e quentes recordações
despertador de novas dores
oceano de distâncias e propositadas melodias mal entoadas
já sou mais eu na subida de gelo e brilhantes revoltos

reescrevo a poesia na sombra e conto-lhe sem pudor que o sol nascerá para lhe aquecer os espaços em branco

quinta-feira, 4 de junho de 2009

redes de metal embatem violentamente no meu sono tépido
envio-me sem escrúpulos para o dia dolente de sol e escadas de cimento
limpa a alma e todos os poros impúros de hábitos e incertezas
foi monstro nostálgico morto em manhãs de sol e riso fácil
sou tão maior quanto mais sou real em presença e improviso

nas montanhas geladas arranco incansavelmente as ervas daninhas e só sobra um perfil marcado na neve silenciosa
o da poesia que te devo, te procura, te descreve em canções e respiros trementes
o gelo que me conserva intacta em espera e em ascenção em dúvida sono e música silenciosa
em estátua derretida e num raio imune sempre à destruição

segunda-feira, 1 de junho de 2009

tenho a força de uma espingarda nas palavras que me fustigam a pele de metal
mais não sou do que o teu ver incessantemente desviado
não sou correcta nem me despisto
e a estrada mais não é do que flores regadas a éter e essência de lavanda

descuido-me de te perder
esqueço a escolha inóspita de te esquecer
amarro-me voluntariamente a este frio e visto as polidas máscaras prateadas e de neon

sou montanha em sede e sol distante
noite quente sem grilos ou encantos
vida despertada e enganada pela fome de amor

sou histeria e vergo-me à liberdade pois as mãos há muito que não me são mais que pele e osso
são rosas desmaiadas na mesa vulgar
objectos de escrita desencantada
pedido de auxílio entoado devagar

embala-me mas não me esqueças
derrota-me de uma vez, deixa cair na terra a água que me destinas, deixa-me procurar sobrevivência noutros pássaros

quarta-feira, 27 de maio de 2009

tenho inutilidades nas palavras
pedras esquecidas nos bolsos
livros fechados

tenho o cruzamento de veludo na minha frente

e as ruínas do meu castelo esquecidas nas minhas costas

pinto a pele com tintas gastas e que me contam histórias quase esquecidas, guardadas debaixo da cama perdida naquela casa onde nunca vi paredes

não me importo que não me saiba
espero por mim no fim do caminho

sexta-feira, 22 de maio de 2009

levo-te insistentemente debaixo das minhas unhas
que escreva o fim antes da partida e da exclusiva solitária derrota
que não escreva mais

que sejam estas mãos escravas de te encontrar

quinta-feira, 21 de maio de 2009

forço o silêncio de metal
as curvas da mesa ameaçam o fim do bailado
tenho cinza nos pulmões
restos de tabaco, sons despropositados

improviso
preciso de improvisar

tenho as garras do leão prontas mas dormentes, envoltas no véu esquecido por mim num dia quase quente de canções e poemários
sou sem margem, esbatida numa escrita compulsiva e odiosa
atraveso desertos sem vitórias nem derrotas, num caminho cadente que se desenrola nos meus pés

procuro as palavras de água insistentemente
sou plural na luta contra o real e a areia quente
sou fantoche de mim própria, luz de todos os dias sem cansaço ou sujeição
sou maior do que os ossos e os pensamentos atordoados
sou caos e chuva forte sem abrigo
sou o lar também improvisado, o poema sem rima ou condição, violência que só é sangue e respirar, que sou eu sem pudor nem continuidade

sou mais eu em ascenção
Nas margens do rio azul esperei sem mais que fazer do que amar e amar as pedras
e não há amor se não o que esquizofrenicamente se reproduz na noite quente sem pudor
não me afogo porque escolho respirar

terça-feira, 19 de maio de 2009

equilibro-me, só.

e sou fustigada por ventos de desgraça e raios de histeria criadora
estóica, não cedo, não vejo, nem canto a vitória
inundo-me de imaginação e cheiro a maçãs verdes
troco de pele a cada dia e a cada suspirar
não sou mais porque a melancolia é sempre a minha amada, a rua deserta do meu quarto, a mãe das palavras escritas sempre a meia luz
escolho de dia cada gesto e na noite deixo-me afogar
não sou palavras vãs, sou suspiros que transformo em palavras artesanais de loucura e compreensão

segunda-feira, 18 de maio de 2009

se estou em frente a este abismo crio pontes de pétalas de rosa e lá no fundo um rio revolto que me ampara as quedas e me ensina a respirar
estas mãos são a vida com as peles secas e cortadas pelo frio
debruço-me sem cansaço sobre mim e em construção
as pedras negras de palavras sobrepostas são uma nova tatuagem sem contornos
sou harmonia porque não me curvo perante a exaustão

improviso sobre folhas de papel na corrente de ar
e tudo o que faço são castelos de areia e de cimento milenar
são cantigas em fio de pescador sobre as horas cadentes e quotidianas

cada acordar é uma revolução e cada revolução uma angústia e um respirar

sábado, 16 de maio de 2009

esqueço-me da tua pedra, não quero as palavras cinzentas, prefiro a embriaguez e utopia do toque e da presença, o amor embrutecido de desesperança e luz. cada palavra é uma flor. e no meu peito cresce o canteiro selvagem que grita esse nome à exaustão.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

encaixo-te devagar dentro da minha concha. não te desespero porque és menos do que tu. és incondicionalmente parte da respiração hesitante. não te desejo, amo-te sem promessa nem história. quase sem poesia nem sentidos. neutra e levemente embriagada de imaginação. és mais meu do que todos os que me encantaram com olhos lânguidos. és o silêncio, a distância que enrolo como fios de lã presos nos meus braços em tardes de chuva. sopras ausências aos meus ouvidos sempre que acordo com a certeza de que não te sei, não te vejo, não te conheço quase. só te idealizo. só te desenho em paragens de autocarro abandonadas, imaginando que pelo menos um viajante poderia ter visto estas palavras se ali ainda passasse alguém. mas ninguém sabe. ninguém lê as palavras que te lanço na janela em noites de tempestade com a timidez de quem quer a solidão como morada. em espaços e depois o vento, só fica o vento.

terça-feira, 12 de maio de 2009

o braço esquecido na areia é a ponte entre a tranquilidade e a tempestade do teu corpo. alinho-me contigo num combate leal e coreografado. somos duas asas de um só passaro em revolta. oiço as notas da nossa sinfonia encaixarem-se em cada um dos meus dedos. se desisto de dançar é porque o sono se torna sozinho no bailado de final de temporada. bailado que termina interminavelmente. e sempre em glória.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

rewind

"Em jeito de não silêncio

Na busca de um caminho
encontro a tua poesia
porque as palavras não tenho dias para as dar
para as cantar num enrolado de sol e de ti
num sossego sem horas
num arco-iris de sombra e de sono
relembro histórias e olhos de espantar
escrevo na tua pele, no canto que ainda não sofre a passagem dos dias
e silencio-me como quem desaparece, se evapora
na angústia de não te escolher igual ao que foste
e reinventar-te
na paixão dorida dos dias
ter na mão a dádiva de recomeçar
tão só não ser de novo
ter a dádiva de duvidar
escrever
ser poesia enquanto não souber ser Mais Nada
inquietar-te
perturbando a tua apatia
desviar-te dos teus carris de ferro
numa explosão de sangue e vida cruel e brilhante
desvia-me também agora
esquece o depois que não tem corpo
chama-me hoje sem demoras
não deixes que o meu sangue passe para a imaginação
não deixes que de repente só saiba o cheiro mecânico dos meus gestos
espera que eu chegue lenta pela porta
doente de sono e de espera e saudade tortuosa
envolve-me em garras de silêncio
estilhaça o meu corpo contra o teu se não houver outro caminho
Ama-me sem olhos esquecidos
decora de novo as curvas do meu braço
Não posso ter outro caminho
Não te assustes com o grito do leão
Ele está dolente no meu colo
Amo-te se em si palavras têm o que dizer

Amo-te

dizem feridas as mãos cansadas de costurar um outro sítio
não me deixes mais escrever ou chorar ou cantar um novo dia
só sei ver se ouvir de noite a tua voz"

Junho 2005

domingo, 10 de maio de 2009

sinto o toque em forma de história e canção
abandono-me sem coragem
em paz tento em vão o regresso claro
e respiro-te, porque me falta o alimento
falta-me mais sangue e força bruta
falta-me não ter chão, dói-me na pele a pedra fria
desespero em agonia baixinha querendo que a voz te encante e te comova
procuro sem descanso a única palavra que me conhece

o teu nome à exaustão

sexta-feira, 8 de maio de 2009

peço o infinito

nunca menos

é tão só a esperança de te ver vacilar entre o chão do desalento e a queda livre
livre de escolha e improvisação

quinta-feira, 7 de maio de 2009

não posso mais lutar contra este gigante contra o combate que é viver só contra ti que não és terra nem sombra és amor e tempestade és todo este corpo em apoteose és futuro em ebulição presente cálido e luminoso és tu e tu e tu enquanto de pé insistir na luta irreal de um acordar com os olhos postos na tua mão abandonada na almofada

és forma de papel escrito e linhas riscadas
és a voz calada na garganta
és uma carta, um envelope, pó de papel abandonado
és o meu insinuante silêncio em reboliço
nada é agora mais teu que esta poesia
no dia em que te estilhaçaste, tornaste-te múltiplo e maior
canto-te em ausência
ofereço-te as palavras porque tudo o que sobra é névoa imprevisível
procuro sempre
arrisco a lucidez e partes inconstantes de silêncio
escrevo no combate ao abismo, em cada uma destas palavras construo mais a teia que se encarrega de traçar o caminho entre esta solidão e a tua
junto aos ossos lúcidos tenho o segredo da minha loucura
o silêncio que torna nebulosa a tarde campestre de vento e sol
o toque invisível na noite irreal, a derrocada final de um real seco e previsível
não esqueço que um dia a tua voz soou cantante
no dia exacto de mais um suicídio da memória

quarta-feira, 6 de maio de 2009

ilusório acordar com petálas de rosa
foi o minuto de glória de um caminho de pedras secas
é uma casa de pano doce e fresca no inverno disfarçado de força bruta
claro renascer sob as campas desertas nas tardes quentes
fim inexplicável e quimericamente extinto
silêncio
outras janelas costuradas nas minhas costas para que a vista do mundo nunca deixe de me inundar os pulmões

segunda-feira, 4 de maio de 2009

és uma imagem diluída, cheiro a lixo e a restos de ervas mortas
tenho o meu dia distante de cada um dos teus gestos
heroicamente deixei de precisar do aceno suave ao fim do dia, a recordação tão só da minha existência
sofro no casulo as feridas que me criaste em silêncio e ausência, não te sei os traços nem o quotidiano rasgado do meu
esqueço-te com mais coragem do que te amei sem chão ou alento
desfiz-te em vidros partidos
a ti e a todos
e sem humanidade alguma recolhi os restos mortais do meu espelho e comecei e reconstruir qualquer coisa
para voltar a existir narcisicamente em mim

terça-feira, 28 de abril de 2009

quero só mais uma ponte entre o hoje e o dia em que passo esta magia para as tuas mãos
e então posso esquecer esta faca que me molda ao chão quente
e posso então partir, sem rancor de não me veres adormecer debaixo da tua janela

desfaço as palavras
em cantos de cadernos escritos

e peço-te que me peças para desistir
e não deixes que esta luta de gigantes me faça quebrar antes de ser hora

domingo, 26 de abril de 2009

auto-retrato com o teu nome

crio montanhas de histórias irreais
agarro-me no limite do precipício a certezas vagas e suicidas
falho a beleza e o encanto
o futuro de rios são desertos cantados em vozes tremidas

amo-te

desenho-te incansavelmente sem saturar os traços, desespero a pele de te chamar em noites sem sono nem verdade e quando o ar finalmente falta desisto e recomeço a inconstante contagem decrescente mais uma vez

arrisco a sanidade pela dúvida, pela margem esbatida da hipótese
dispo-me de adjectivos e espelhos
sou crua e transparente, invisível e pulsante
sou indesistível

amo tendo a loucura da solidão como uma bandeira
algo de doce pode sair ainda dos meus poros
quando a poesia te escorrega para as mãos antes de saberes a que sabe esta terra que te invento

sou outro mundo
outra casa desabitada e em construção
sou a raiva real e a princesa irreal de outro reino
sou palavras secas e ainda por nascer
sou uma tempestade que se esconde dentro do caderno de capa escura em esplanadas luminosas

sou a angústia do nada perdida nestas ruas crueis e quentes

sou o silêncio
o desespero
o livro em branco

sou uma asa desmaiada depois da Primavera
Amo violentamente e sozinha
como quem beija o vidro frio que me invadiu o lugar do coração
sem ousadia ou desesperança
cabes inteiro numa caixa de vidros intocáveis, na estrada de algodão
num livro já escrito em que descanso a ânsia de ser mais forte e mais corpo
na casa vazia de paredes brancas sem manchas de dor ou tabaco
cabes inteiro na minha mão quando à deriva não encontro cais que me transporte para terra

serás mais uma mão tranquila quando de todas as alvoradas sobrarem poucas no cansaço da memória

sábado, 25 de abril de 2009

desconheço as armas desta guerra feroz
transformo-te em borboletas e em vão deixo-te sair

sinto que falhei o momento em que gigante te devia ter derrotado
sou pouco mais que esta falha neste morno anoitecer
e sou luz de mim e de outras noites, sou pequena e em cada espaço de mim sou maior do que um planeta

abandono-me em leves arrependimentos, em cores de primavera
e sou mais leve que o nevoeiro que me engana no leito do rio

quinta-feira, 23 de abril de 2009

no muro desenho-te, reconheço mais qualquer espaço em branco que não o que me escreve nas noites gélidas de marfim

ombros que descaem em cadência
anos arrebatados de renascimentos e glórias
amo deliciosamente esgotada e sem calos nem memórias

uma canção e uma estrada com um combóio que a mortifica
cabelo abandonado na esquina chuvosa

solidão que canta mais alto que o vinil, que ilude as passarolas voadoras do meu desejo
amava-te mais e se pudesse embrulhava-te em papéis quentes para que as letras derretessem e o silêncio fosse então nosso irmão

então a história seria contada com as tuas palavras douradas
no espaço entre ti e esta casa está um muro de folhas por escrever em constante suicídio

segunda-feira, 20 de abril de 2009

És um parasita nas peles desassossegadas deste meu leito de descanso inalcansável
desequilibro-me e não tenho chão que me proteja da queda aparatosa
o espetáculo da dor ilumina-me e deixa-me estática
esqueci o caminho, o amor, os toques mágicos que me trouxeram aqui
sou tu na tristeza e apagamento do meu sol
recupero-te e vejo se ainda há tempo de te esquecer

domingo, 19 de abril de 2009

Escrevia-te

mas demoro demais a encaixar a tua imagem
e, no fim, fica sempre um espaço de tempestade
É só mais uma canção desesperada
Pinto o quadro da timidez e da certeza de que o peito se esqueceu do caminho de volta, deixo as palavras num canto esquecido do papel. Mas não quebro, recomeço. Mas sem túlipas murchas na entrada e cantos de pó amarelecidos. Recomeço sem o abandono, sem o esquecimento das flores apaixonadas no vão da escada. Sem falsos sonhos num acordar doente. Acordo com o som da verdade escrito na pele, com a outra parte de mim desenhada num papel branco. Com a dor do abandono prematuro, do silêncio vigiado.

Não termino nada, recomeço só com a calma de não perder nada e de ter no centro da poesia o inexistente, a manhã de verão, a música doce e violinada, a comida redesenhada num prato de loiça, o filme sem história nas noites de insónia.

Fica a solidão como arma de sobrevivente. Como chave de outro cofre. Como outro vaso de ervas doces. Como memórias assassinadas antes de terem tempo de contar uma história de amor. Solidão de ouro e trevas, luz e amanhecer, calor líquido no corpo nu, força inusitada.

Fica o silêncio.

E o vento que já não espera antes de destruir nova cidade.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

rebento os braços de te virar para mim
peço que me deixes ao menos abandonar-me ao teu esquecimento
e deixa de me encantar as noites e o cansaço
e desaparece dos meus contornos e da sombra de cada um dos meus passos
e quando for novamente manhã deixa que os teus sons tenham finalmente adormecido
lanço uma canção desesperada e um solo de violinos para que me deixes sozinha na dança deste esquecimento prematuro
e silencio-me no teu próprio silêncio, antes de me desequilibrar cedo demais

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Na beira do inverosímil lanço frases soltas para que me oiças
para que adivinhes por baixo do nevoeiro da poesia
é a verdade em forma de sangue e timidez, em paz inventada e casas ruídas
tangentes de amor e sono inventadas à pressa num guardanapo de café

restos de pureza

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Desfaço-me em pó
E nos tectos altos da ausência
Tomo lentamente o poder das paredes e escureço a vista da janela
Sou invisível por paixão
Tenho nas mãos a solidão como uma arma

terça-feira, 14 de abril de 2009

dedicatória

sou chão de veludo e silêncio, cheiro a mar, a palavras entrelaçadas
o som da tua voz no centro da paz e da poesia
escavo na água do rio o lugar certo do encontro e o descanso dos ossos estilhaçados, do frio suicida dos dias. encontro a casa e desfaço na fogueira restos de cansaços, dor e palavras doentes.

e renasço com a solidão de uma estrada fria a soletrar-me palavras felizes

sou mais sozinha
e o teu cheiro impregna-me tecidos viajados

pinto na parede vazia a tua presença e nesta noite conheço-te, um segundo antes de te deixar partir, líquido, pelas paredes pintadas de fresco
dispo-me de desertos e cansaços e vejo em cada acordar um planeta que nunca escrevi
desisti porque a vida reside no meu canto mais escuro e esquecido, abro-lhe as cortinas e deixo entrar o passado sem emendas nem remorso
e sou sozinha em castelos de areia em dia de tempestade
e heroicamente escrevo o teu nome na areia húmida de tragédia e destroços
e deixo o sol reconstruir vagas de humanidade em cada um dos meus dedos entrelaçados

domingo, 12 de abril de 2009

desisto

sobre a toalha branca reescrevo a mentira e viro-me as costas

sábado, 11 de abril de 2009

não me peças páginas escritas, pede-me antes uma espera sem hesitações
pedra em estado puro no lugar do sangue que antes pulsava nos poros
entrelaçar dúvidas nas tuas pernas no minuto antes de acordares
medo talhado na timidez à beira do precipício dos teus braços
noites agudas e irreais onde a paixão conta histórias impossíveis
sei de cor a tua beleza, os traços que te invento quando já não tenho mais mãos que te encontrem

sexta-feira, 10 de abril de 2009

cansada de rupturas com o meu chão pinto a casa das cores da tua voz que ainda ecoa no meu dia sem final

canso-me de mim

desbloqueio as veias e deixo-te entrar

quinta-feira, 9 de abril de 2009

todo o silêncio de algodão dentro do desmaiado dos teus olhos
e aí tudo é só teclas de um piano e harmonias sem dor nem tempo
e no veludo da tua pele desconhecida escrevo só mais um poema antes de ser feliz

sexta-feira, 3 de abril de 2009

seja qual for a frase que ela te tenha a ti dentro do som baixo desta música desafinada
esqueço a minha loucura só hoje e se no cansaço a cor for a dos teus passos prendo-os ao chão e desato o nó que me liga a casa
desespero por outras estradas
pelo toque da tua voz

segunda-feira, 30 de março de 2009

vejo caras coreografadas e caio do abismo
sinto os ramos histéricos na queda, transformo-os em casas cor de amêndoa e madeira
nada será uma pergunta enquanto o corpo magro for peça de museu antigo
só sensações, mais nada.

Vazio melancolia criadora
quadro de nova paixão, calor inesperado pela frase banal, paixão e amor inesperado, casa inesperada e cansaço mortal nos ossos novos.

Quando já não souber de mim afasto os demónios. Agora só posso adormecer com a casca áspera do medo presa ao sono que já não existe. Abraçar a sensação febril que ainda me fala no silêncio da penetrante solidão.

Guardo abraços e cânticos em praias ventosas.

E digo Amo-te sem destino e vejo verdadeiras revoluções e festas hilariantes à beira do mar ruas de todos e amor desperdiçado num olhar nervoso.

És a dor e a esperança. A cor vaga de um futuro traçado no alpendre. Não me esforço mais. Acabou, a pele não consegue mais resistir aos ramos. Fica desmaiada no chão. Dorme finalmente. Quase morre, um instante antes de acordar.

sexta-feira, 27 de março de 2009

outro dia um

Com Lluis Llac entrei pela cidade e deixei ferver as palavras invasivas de sentido pelas ruas de Lisboa
engoli o ar sujo e o sol de quase trovoada que nos prende a respiração e nos deixa sedentos de solidão
vi na minha pele a solidão de poder ser sozinha em todas as pedras da calçada
e a voz fez o encantamento de cantar em voz alta a única verdade que me é mais do que as dores dos ossos cansados de mentiras e silêncios
e a cidade fui eu, e o castelo com olhos de sono, e os sorrisos amigos ao fim da rua, e as coreografias improvisadas ao som de vozes desafinadas pouco depois de nascer o dia
e a tempestade era magia e palmas entusiasmadas e poemas lidos e copos de vinho

e promessas

certezas de que o dia só nasce quando aceno com a cabeça e me preparo para acordar do meu suicídio de meses. sou criança que descobre as palavras. e escreve tudo de novo. e lança na tarde quente a energia que o peito não suporta. e a voz cansada adormece agora, ansiosa por novas linhas e peças de teatro. novas outras histórias.

terça-feira, 24 de março de 2009

dia três

adormeço
e devagar dissolvo a timidez em taças de leite frio
e ao abrir os olhos vejo branco branco branco e apenas uma ou duas notas musicais
e respostas cantam-me nos lábios e a verdade é só mais uma manta áspera

segunda-feira, 23 de março de 2009

dia dois

tremo diante destas horas e deste relógio sonoro
é real cada ferida do ponteiro dos segundos, é meu este dia, e a noite inquieta e o comboio de manhã

é real o silêncio. moldo-o aos dias e sufoco com a pele a ânsia de outras manhãs, de uma luz diferente, de um relógio invertido. calo a constante tempestade. transformo este fingimento em arma e renasço luminosa. sou amor e cânticos. paixão em palavras e veludos em forma de cortinas.

sou sozinha

tenho assim nas mãos o mundo inteiro. e amo-te porque no relógio invertido as horas dançaram a valsa mais uma vez.

dia um

experimento o silêncio e oiço o tigre silenciado
volta e recupera o trono de veludo onde é rei dos meus medos que já não sei cantar
construo a minha jaula e prendo fios na ponta dos dedos
danço passos decorados e guardo para a solidão a verdade e deixo escamar a tinta até já só haver sangue teimoso dentro das veias
adormeço sem sons ou lamentos cansada de paz e vida real, procuro o meu quintal de um só sofá e deixo-me envelhecer só hoje, entre as árvores quase silenciosas
e esqueço. calo a verdade. deixo de a ouvir. passo a viver na corda presa nas árvores e faço do equilíbrio o único alimento.

quinta-feira, 19 de março de 2009

não posso mais aguentar o corpo em desalinho
as ondas quentes do cansaço
acabo onde comecei cada ciclo de flores, os ciclos que me embalam e desesperam
me fazem inventar candeeiros de luz baixa para esquecer de vez a solidão
quero disparar teias da pontas dos dedos e envolver cada canto deste dia, encostá-lo ao peito e fazê-lo contar histórias com finais luminosos que quase não conheço
quero ser uma flor e espreguiçar-me ao sol e ficar com a marca do meu toque no ar que te desenha o perfil

quero esquecer
ultrapassar dias
desenhar outro risco por cima
apagar as horas que te dei
esquecer sons, autocarros, colchões velhos, couves e bolos embalados
quero molhar a pele e ver as memórias pela terra
quero ver de outra cor esta janela imaginá-la limpa das marcas dos teus dedos

quero olhar para este papel envelhecido e escrever palavras incorrectas e imaturas
rir com o absurdo do amor, ver velhas histórias em cada toque e amar o cheiro a novo
arriscar o não dito e transformá-lo em frases inauditas
ver mais do que o papel ver um colo onde adormecer ao fim do dia
ver o animal cansado que tanto rugiu de atordoado
ver mesmo o silêncio, amá-lo por me tocar na pele na dormência do comboio do fim do dia
ser mais do que qualquer outra vez, luminosa enfrentar as rotinas das mãos e das palavras
amar o pó que nunca nos abandona a cabeceira
criar mais história, mais fotos sem legenda, mais lã num dia frio

reinventar a solidão
sem dor ou qualquer outra mágoa
contruir palácios inteiros na palma da minha mão

terça-feira, 17 de março de 2009

deixa-me sair da tua teia viver o vento como um corpo nu tomar conta dos meus segundos de glória
esticar o mais dolente dos sorrisos, deixá-lo no ar até que já nada o alimente até que a última luz tenha sido apagada e em vão alguém o tente descobrir entre o nevoeiro da mais negra escuridão
quero saber de cor a que sabe a minha dor, soletrá-la de olhos fechados, queimá-la devagar na lareira enquanto te transformo nas palavras que te escrevo, até que sejas mesmo luz e veludo no passeio
liberta-me deixa-me respirar e não te encontrar em restos de poeira

terça-feira, 3 de março de 2009

é a nossa valsa, com passos cosidos em linhas de ouro branco, uma dança cega, sem sentidos, só ilusões. Um Nada. E quando o Nada me invade de veneno os músculos a dança torna-se mais poderosa e a alegria é cega de limites e contradições. é espuma nos olhos vento na pele despida. sem medo. só calor e a água quase fria na ponta dos pés. sem medo outra vez. só sensações e realidades semânticas. sem palmas nem luzes artificiais, só o sol preso no fim do dia.

fios que quase se partem. que ironizam as noites que sobrevivem. que continuam a dança como se fosse sempre a última vez que se entendiam e inflamavam.

quase o fim

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

se ouvires um desalinho é a minha voz que te desenha o caminho. fora dos dias. noutro sítio. num cansaço impossível de reconhecer. numa cama de penas e óleo sujo.

és o meu Norte estilhaçado.

uma sinfonia aguda e doce.
tenho uma mão de cada cor e esqueci a cor dos passos e dos dias
não reconheço o espelho do meu quarto vejo um corpo em mutação
sou um livro manuscrito de letras sobrepostas
um nada uma tempestade um quadro branco fabricado

sou a espera

o silêncio

a ideia desmontada
respigo as dores e moldo-lhes a tua pele
e encanto-me com os sons que te imagino

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

se respiro é porque sou equilibrista porque tenho a coragem de dançar na corda que esticaste entre o som da tua voz e a primeira viagem de comboio

devagar como uma dor corrosiva aprendo a moldar o azeite às mãos e a nunca deixar o corpo desistente abraçar as pedras secas que alguém desenhou

abandono um braço e descanso com o fim na ponta dos pés. e falo sempre. sou a tua bailarina dos silêncios e palavras recortadas. sou o que há de real na tua renúncia, no silêncio de facas e vidros partidos. sou sangue na distância. sou vento e tempestade e equilíbrio.

sou máscara que diz, contos proibidos, verdades irreais, corpo e corpo e bruma.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

estou no deserto das faces do mundo
a areia pesa milénios nos meus pés e o caminho sabe a nuvens e a pó

sábado, 14 de fevereiro de 2009

peço-te não me deixes na minha mina onde escondo com as mãos a solidão
recupera do silêncio uma só existência de cristal mas não deixes o meu corpo abandonado na berma húmida do passeio
a vida ferve e passa os limites da pele chora o frio que lhe faz a minha falta

deixa-me ouvir o som da tua existência



e deixa-me esquecer rancor e estórias de cumes e vitórias
quero a terrena realidade de dormir e o corpo quente com manchas de outros dias que me envolve a noite

quero a voz o lençol a madeira que range o guardanapo de papel a revista com a capa dobrada o cabelo desalinhado a roupa com manchas de café a fotografia apagada o CD riscado a chuva o telefone avariado a comida que cozinhou demais a cerveja quase quente

na imperfeição dos dias encontro o verdadeiro sabor dos teus passos

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

tão devagar como uma dormência na ponta dos dedos desenrolo-te em novelo de prata, sinto-me correr nas minhas veias imaginadas as palavras existem mas são terra medo luz trémula um nada
apago as luzes respiro o cheiro de alfazema esqueço sons
abandono as mãos nas raízes infantis de uns dias por haver

e esqueço
as palavras são tinta manchada na tua pele
existe fumo de cetim que me confunde os passos

quando amanhã não me lembrar de ti embrulha as estradas e transforma-as em pó
desfaz o cimento que me alimenta o sangue desfaz-me o corpo na água salgada
esquece o chão e a terra que te suja os passos,
corta as cordas que te guiam a ponta dos dedos
reescreve as pedras da calçada

e quando de manhã for o silêncio, terás um poema escrito na parede

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

encontra-me
estou entre a palma da tua mão e um acidente em mar alto
não és mais plano que uma tela branca áspera de cantos aguçados que me irritam o pescoço ao dormir. uma irreal bola de sabão que me molha os olhos adormecidos. uma tinta gasta com o tempo. uma carta em cinzas. uma noite que já chora o nascer do sol. uma única luz onde não é possível haver candeeiros nem luz real. o fumo de uma lareira. um som pouco nítido numa noite vazia. neve na areia quente.

uma respiração aqui.
uma mão abandonada na almofada.
passo por mim a líquida tarde de inverno
tenho em cada mão uma pele diferente de noites furtivas
a chuva come-me os passos e as memórias e os desejos de qualquer outra vida

não oiço não digo as palavras mais claras enrolo-te no meu novelo de lã e amanhã esqueço-te
passo os dias em tentativas de te ver cimento em vez de pétalas de rosa
adormeço a verdade e coso-lhe um vestido de poesia

e vejo-te no lugar vazio da parede branca em que me deito de manhã mesmo antes de começar o dia

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Pinto o teu vidro partido de azul celeste. Procuro a paz na parede de granito das nossas últimas palavras. E os cortes não são mais que velhas cicatrizes cobertas de tinta.