domingo, 28 de junho de 2009

Quero viver em ti todas as noites dolentes e quotidianas
sentir a presença como água corrente
o tempo da ausência como circuitos de lama em calçada inconstante
sermos dois numa ânsia de intenções amigas e confidentes

não quero espasmos de amor furtivo e desfocado
como uma solidão que dança o Tango em desalinho
coloco lentamente as palavras, uma a uma, sobre a mesa
e aguardo, dolente, a reacção

quinta-feira, 25 de junho de 2009

deixei perder caminhos enquanto a noite caminhava absurda sobre a terra
sem contornos onde me proteger da chuva, encontrei pedras perdidas e lancei-as ao mar
sem pudor ou qualquer outro traço de humanidade
tenho os ossos a comer a voz da minha alma estilhaçada
e os olhos pouco mais são do que faróis em falha eléctrica
sem distinção
tenho a doçura dentro dos olhos e o devir irreal que me mexe os dedos numa melodia inconstante
tento inquietamente ver cair no mar dores e cansaços
tenho gaivotas nos olhos
dias simples
poemas de palavras incoerentes
palavras engolidas perante a tua presença adormecida

pego nesta música e canto-a à desgarrada contigo
desafio verdades e camas lavadas
e crio um mundo inteiro entre a pele indecifrável das nossas mãos
cravo unhas na tua alma e espero que ela me entre nas veias como rio em fim de tarde de Agosto

sou outra estória em caracteres móveis e desconhecidos
e conheço pouco de mim, só o branco que me veste
a paz como cartas abertas e comovidas
a tua voz ao final do dia como brisa e chuva de pétalas de rosa

terça-feira, 23 de junho de 2009

na casa frágil imagino folhas de metal
casas invisíveis e quentes
um poema em gestos de um bailado entre a tua pele e o pulsar inquieto do meu respirar
palavras mudas de comoção e angústias silenciosas

são verdades mascaradas de melancolia em cada final de dia
silêncios que se escolhem a si próprios em estradas inviáveis
sou pouco mais do que esta poesia, tenho letras no limite da pele cansada de dores que me envelhecem os olhos escuros

preciso respirar perder as forças entre as tuas mãos correr persianas e encaixar-me em concha na tua beira-mar
preciso que me doam as tuas palavras lançadas em noites de amor e tempestade
preciso deste nevoeiro que te envolve

quando te faltar a estrada estou lá eu, tapete de veludo, com dias e relógios inteiros, com garrafas de água de noites mal dormidas

és o Norte se a Norte estiver o desabrigo e as bombas não se ouvirem mais

sou indesistível

barco gasto forrado a ouro e estórias tuas
um desespero de ausência
um desastre a mais dentro dos carris
uma outra coisa onde cada um de nós tem uma metade de uma folha branca, sem limite ou condição

quinta-feira, 18 de junho de 2009

não escrevo mais

espero que o poema se desfaça em gestos do quotidiano imaginário
espero dormente nos braços da solidão noites de outras músicas
novos quadros, outras tintas, marcas de mãos sujas de paixão e amor embrutecido

apago sem piedade os poros mortos de amor e desilusão
e deixo por baixo a folha em branco, um arco-iris de sombra em constante celebração

quarta-feira, 17 de junho de 2009

tenho peixes em vez de voz e um mar no lugar do coração
vivo no silêncio como quem desenha uma macia estátua de argila
sem pressa nem fogo de artifício, com amor à forma de poema que a terra cria sem dor
com a pele suspensa como seda em brisa de verão
tangente de luz e promessas de alfazema
com o pecado atravessado como brasas quase desmaiadas em final de noite

são linhas de ouro que no escuro sem cor ou paixão se tornam cordas de caixas velhas
são fantasia
imaginação
dolência na tarde que escorre e reinventa as horas
são um ponto de interrogação como bomba no não dito
são o real da fruta pisada e esquecida no cimo da mesa, do sol que nunca se esquece de adormecer e tapar falhas do corpo com a frescura da noite

tenho as tuas mãos nos meus olhos e sou só cheiro, fumo e incompreensíveis poemas recitados quase de cor
intuidos no som da tua voz, na palma quente da tua mão, no real do amor, das presenças, das músicas encontradas por acaso debaixo do tapete
do sono encaixado em si e no que ainda não vejo, mas que pressinto no arrastar dos dias
na angústia da distância, na paz destruída por borboletas pulsantes de água fresca

no ter-te aqui, debaixo da pele doente de fantasmas

segunda-feira, 15 de junho de 2009

numa estrada encontro a pedra solta que faltava
conto nos dedos das mãos cortadas de papeis silenciosos os segredos raros as respostas mais ousadas
o medo mais cego e dançante irmão de noites trementes e ansiosas
a terra real e amarga mas viva e pulsante de sangue sábio e sonos conciliadores

sou um novo corpo nunca real

sem verdade mas também sem ausência
numa luta desigual saiu vitoriosa a luz do Verão e uma aparição quase sagrada em forma de uma duas frases
um poema desenhado sem rascunho no teu perfil
deixo cair

já poucas colinas me atormentam
desenho a planície até que se acabe o lápis ou a força da mão
tenho mais textos do que sonhos ou poetas nos meus dias
tenho a razão numa dança frenética mesmo em cima dos meus olhos

e mesmo assim prefiro que caia na rua instável como quem me arranha os olhos em dia de dormência e nevoeiro

domingo, 14 de junho de 2009

estou debaixo de um arco poético para que parem de cair bombas aos meus pés
visto o meu melhor fato de fantoche e represento a nova cena teatral onde quase me engano e tanto me desconheço
perdi os meus contornos adormeço sem fadiga para que o relógio me trague as horas mornas

sou pouco mais do que fumo enquanto aqui estiver

quinta-feira, 11 de junho de 2009

cheguei ao meio do caminho
são mais do que nuvens negras são abraços doces de antigos fantasmas
são certezas que me cegam devagar e me dizem que o caminho que falta é apenas o cheiro do teu pescoço num final de tarde quase quente
são as dores relembradas e de repente o abismo sem asas nem o baile do algodão

é não ver nada e ter o coração dentro de uma caixa de vidro
é acordar sem força e recuperá-la com a recordação de cada uma das letras do teu nome

é não saber se o caminho vai a meio ou se o inventei em cartas amachucadas por trás da cama

é tão só saber ter a certeza de ti e nunca a ter teimosamente na janela aberta toda a noite

é este silêncio

as borboletas que não acalmam na máquina do dia
sou muito mais do que a terra criadora
sou raízes que teimam em beber amargamente
flores e pétalas quase desmaiadas em suspenso
águas escuras de teimosia e imaginação

outras histórias menos ou tão só reais como esta página em branco
silêncio vazio de móveis, paredes pintadas à pressa de emergir
desistência e quase dormência de existir

outros encontros dolorosamente físicos, feridas incuráveis e logo depois histórias e lareiras de inverno em lume leve. luz que se desloca em paz pelas divisões da casa. silêncio completo e acolhedor.

terça-feira, 9 de junho de 2009

seguro enebriada o rio que me inventa em noites como esta de compreensão e amor
e se me escapa das mãos é porque mais não pode que me inundar os pulmões porque passo a respirá-lo em vez do ar monótono e tranquilo

desisto da paz quero incêndios e animais selvagens quedas amparadas por mãos que nunca se atrasam intempéries e vozes que reinventam uma nova língua

o teu silêncio e de repente uma só frase

segunda-feira, 8 de junho de 2009

tenho o suicídio como peça de roupa no estendal
esquecido em marquises solares e incêndios de descuidos instintivos
feito pó e quentes recordações
despertador de novas dores
oceano de distâncias e propositadas melodias mal entoadas
já sou mais eu na subida de gelo e brilhantes revoltos

reescrevo a poesia na sombra e conto-lhe sem pudor que o sol nascerá para lhe aquecer os espaços em branco

quinta-feira, 4 de junho de 2009

redes de metal embatem violentamente no meu sono tépido
envio-me sem escrúpulos para o dia dolente de sol e escadas de cimento
limpa a alma e todos os poros impúros de hábitos e incertezas
foi monstro nostálgico morto em manhãs de sol e riso fácil
sou tão maior quanto mais sou real em presença e improviso

nas montanhas geladas arranco incansavelmente as ervas daninhas e só sobra um perfil marcado na neve silenciosa
o da poesia que te devo, te procura, te descreve em canções e respiros trementes
o gelo que me conserva intacta em espera e em ascenção em dúvida sono e música silenciosa
em estátua derretida e num raio imune sempre à destruição

segunda-feira, 1 de junho de 2009

tenho a força de uma espingarda nas palavras que me fustigam a pele de metal
mais não sou do que o teu ver incessantemente desviado
não sou correcta nem me despisto
e a estrada mais não é do que flores regadas a éter e essência de lavanda

descuido-me de te perder
esqueço a escolha inóspita de te esquecer
amarro-me voluntariamente a este frio e visto as polidas máscaras prateadas e de neon

sou montanha em sede e sol distante
noite quente sem grilos ou encantos
vida despertada e enganada pela fome de amor

sou histeria e vergo-me à liberdade pois as mãos há muito que não me são mais que pele e osso
são rosas desmaiadas na mesa vulgar
objectos de escrita desencantada
pedido de auxílio entoado devagar

embala-me mas não me esqueças
derrota-me de uma vez, deixa cair na terra a água que me destinas, deixa-me procurar sobrevivência noutros pássaros