terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

se ouvires um desalinho é a minha voz que te desenha o caminho. fora dos dias. noutro sítio. num cansaço impossível de reconhecer. numa cama de penas e óleo sujo.

és o meu Norte estilhaçado.

uma sinfonia aguda e doce.
tenho uma mão de cada cor e esqueci a cor dos passos e dos dias
não reconheço o espelho do meu quarto vejo um corpo em mutação
sou um livro manuscrito de letras sobrepostas
um nada uma tempestade um quadro branco fabricado

sou a espera

o silêncio

a ideia desmontada
respigo as dores e moldo-lhes a tua pele
e encanto-me com os sons que te imagino

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

se respiro é porque sou equilibrista porque tenho a coragem de dançar na corda que esticaste entre o som da tua voz e a primeira viagem de comboio

devagar como uma dor corrosiva aprendo a moldar o azeite às mãos e a nunca deixar o corpo desistente abraçar as pedras secas que alguém desenhou

abandono um braço e descanso com o fim na ponta dos pés. e falo sempre. sou a tua bailarina dos silêncios e palavras recortadas. sou o que há de real na tua renúncia, no silêncio de facas e vidros partidos. sou sangue na distância. sou vento e tempestade e equilíbrio.

sou máscara que diz, contos proibidos, verdades irreais, corpo e corpo e bruma.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

estou no deserto das faces do mundo
a areia pesa milénios nos meus pés e o caminho sabe a nuvens e a pó

sábado, 14 de fevereiro de 2009

peço-te não me deixes na minha mina onde escondo com as mãos a solidão
recupera do silêncio uma só existência de cristal mas não deixes o meu corpo abandonado na berma húmida do passeio
a vida ferve e passa os limites da pele chora o frio que lhe faz a minha falta

deixa-me ouvir o som da tua existência



e deixa-me esquecer rancor e estórias de cumes e vitórias
quero a terrena realidade de dormir e o corpo quente com manchas de outros dias que me envolve a noite

quero a voz o lençol a madeira que range o guardanapo de papel a revista com a capa dobrada o cabelo desalinhado a roupa com manchas de café a fotografia apagada o CD riscado a chuva o telefone avariado a comida que cozinhou demais a cerveja quase quente

na imperfeição dos dias encontro o verdadeiro sabor dos teus passos

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

tão devagar como uma dormência na ponta dos dedos desenrolo-te em novelo de prata, sinto-me correr nas minhas veias imaginadas as palavras existem mas são terra medo luz trémula um nada
apago as luzes respiro o cheiro de alfazema esqueço sons
abandono as mãos nas raízes infantis de uns dias por haver

e esqueço
as palavras são tinta manchada na tua pele
existe fumo de cetim que me confunde os passos

quando amanhã não me lembrar de ti embrulha as estradas e transforma-as em pó
desfaz o cimento que me alimenta o sangue desfaz-me o corpo na água salgada
esquece o chão e a terra que te suja os passos,
corta as cordas que te guiam a ponta dos dedos
reescreve as pedras da calçada

e quando de manhã for o silêncio, terás um poema escrito na parede

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

encontra-me
estou entre a palma da tua mão e um acidente em mar alto
não és mais plano que uma tela branca áspera de cantos aguçados que me irritam o pescoço ao dormir. uma irreal bola de sabão que me molha os olhos adormecidos. uma tinta gasta com o tempo. uma carta em cinzas. uma noite que já chora o nascer do sol. uma única luz onde não é possível haver candeeiros nem luz real. o fumo de uma lareira. um som pouco nítido numa noite vazia. neve na areia quente.

uma respiração aqui.
uma mão abandonada na almofada.
passo por mim a líquida tarde de inverno
tenho em cada mão uma pele diferente de noites furtivas
a chuva come-me os passos e as memórias e os desejos de qualquer outra vida

não oiço não digo as palavras mais claras enrolo-te no meu novelo de lã e amanhã esqueço-te
passo os dias em tentativas de te ver cimento em vez de pétalas de rosa
adormeço a verdade e coso-lhe um vestido de poesia

e vejo-te no lugar vazio da parede branca em que me deito de manhã mesmo antes de começar o dia

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Pinto o teu vidro partido de azul celeste. Procuro a paz na parede de granito das nossas últimas palavras. E os cortes não são mais que velhas cicatrizes cobertas de tinta.