segunda-feira, 30 de março de 2009

vejo caras coreografadas e caio do abismo
sinto os ramos histéricos na queda, transformo-os em casas cor de amêndoa e madeira
nada será uma pergunta enquanto o corpo magro for peça de museu antigo
só sensações, mais nada.

Vazio melancolia criadora
quadro de nova paixão, calor inesperado pela frase banal, paixão e amor inesperado, casa inesperada e cansaço mortal nos ossos novos.

Quando já não souber de mim afasto os demónios. Agora só posso adormecer com a casca áspera do medo presa ao sono que já não existe. Abraçar a sensação febril que ainda me fala no silêncio da penetrante solidão.

Guardo abraços e cânticos em praias ventosas.

E digo Amo-te sem destino e vejo verdadeiras revoluções e festas hilariantes à beira do mar ruas de todos e amor desperdiçado num olhar nervoso.

És a dor e a esperança. A cor vaga de um futuro traçado no alpendre. Não me esforço mais. Acabou, a pele não consegue mais resistir aos ramos. Fica desmaiada no chão. Dorme finalmente. Quase morre, um instante antes de acordar.

sexta-feira, 27 de março de 2009

outro dia um

Com Lluis Llac entrei pela cidade e deixei ferver as palavras invasivas de sentido pelas ruas de Lisboa
engoli o ar sujo e o sol de quase trovoada que nos prende a respiração e nos deixa sedentos de solidão
vi na minha pele a solidão de poder ser sozinha em todas as pedras da calçada
e a voz fez o encantamento de cantar em voz alta a única verdade que me é mais do que as dores dos ossos cansados de mentiras e silêncios
e a cidade fui eu, e o castelo com olhos de sono, e os sorrisos amigos ao fim da rua, e as coreografias improvisadas ao som de vozes desafinadas pouco depois de nascer o dia
e a tempestade era magia e palmas entusiasmadas e poemas lidos e copos de vinho

e promessas

certezas de que o dia só nasce quando aceno com a cabeça e me preparo para acordar do meu suicídio de meses. sou criança que descobre as palavras. e escreve tudo de novo. e lança na tarde quente a energia que o peito não suporta. e a voz cansada adormece agora, ansiosa por novas linhas e peças de teatro. novas outras histórias.

terça-feira, 24 de março de 2009

dia três

adormeço
e devagar dissolvo a timidez em taças de leite frio
e ao abrir os olhos vejo branco branco branco e apenas uma ou duas notas musicais
e respostas cantam-me nos lábios e a verdade é só mais uma manta áspera

segunda-feira, 23 de março de 2009

dia dois

tremo diante destas horas e deste relógio sonoro
é real cada ferida do ponteiro dos segundos, é meu este dia, e a noite inquieta e o comboio de manhã

é real o silêncio. moldo-o aos dias e sufoco com a pele a ânsia de outras manhãs, de uma luz diferente, de um relógio invertido. calo a constante tempestade. transformo este fingimento em arma e renasço luminosa. sou amor e cânticos. paixão em palavras e veludos em forma de cortinas.

sou sozinha

tenho assim nas mãos o mundo inteiro. e amo-te porque no relógio invertido as horas dançaram a valsa mais uma vez.

dia um

experimento o silêncio e oiço o tigre silenciado
volta e recupera o trono de veludo onde é rei dos meus medos que já não sei cantar
construo a minha jaula e prendo fios na ponta dos dedos
danço passos decorados e guardo para a solidão a verdade e deixo escamar a tinta até já só haver sangue teimoso dentro das veias
adormeço sem sons ou lamentos cansada de paz e vida real, procuro o meu quintal de um só sofá e deixo-me envelhecer só hoje, entre as árvores quase silenciosas
e esqueço. calo a verdade. deixo de a ouvir. passo a viver na corda presa nas árvores e faço do equilíbrio o único alimento.

quinta-feira, 19 de março de 2009

não posso mais aguentar o corpo em desalinho
as ondas quentes do cansaço
acabo onde comecei cada ciclo de flores, os ciclos que me embalam e desesperam
me fazem inventar candeeiros de luz baixa para esquecer de vez a solidão
quero disparar teias da pontas dos dedos e envolver cada canto deste dia, encostá-lo ao peito e fazê-lo contar histórias com finais luminosos que quase não conheço
quero ser uma flor e espreguiçar-me ao sol e ficar com a marca do meu toque no ar que te desenha o perfil

quero esquecer
ultrapassar dias
desenhar outro risco por cima
apagar as horas que te dei
esquecer sons, autocarros, colchões velhos, couves e bolos embalados
quero molhar a pele e ver as memórias pela terra
quero ver de outra cor esta janela imaginá-la limpa das marcas dos teus dedos

quero olhar para este papel envelhecido e escrever palavras incorrectas e imaturas
rir com o absurdo do amor, ver velhas histórias em cada toque e amar o cheiro a novo
arriscar o não dito e transformá-lo em frases inauditas
ver mais do que o papel ver um colo onde adormecer ao fim do dia
ver o animal cansado que tanto rugiu de atordoado
ver mesmo o silêncio, amá-lo por me tocar na pele na dormência do comboio do fim do dia
ser mais do que qualquer outra vez, luminosa enfrentar as rotinas das mãos e das palavras
amar o pó que nunca nos abandona a cabeceira
criar mais história, mais fotos sem legenda, mais lã num dia frio

reinventar a solidão
sem dor ou qualquer outra mágoa
contruir palácios inteiros na palma da minha mão

terça-feira, 17 de março de 2009

deixa-me sair da tua teia viver o vento como um corpo nu tomar conta dos meus segundos de glória
esticar o mais dolente dos sorrisos, deixá-lo no ar até que já nada o alimente até que a última luz tenha sido apagada e em vão alguém o tente descobrir entre o nevoeiro da mais negra escuridão
quero saber de cor a que sabe a minha dor, soletrá-la de olhos fechados, queimá-la devagar na lareira enquanto te transformo nas palavras que te escrevo, até que sejas mesmo luz e veludo no passeio
liberta-me deixa-me respirar e não te encontrar em restos de poeira

terça-feira, 3 de março de 2009

é a nossa valsa, com passos cosidos em linhas de ouro branco, uma dança cega, sem sentidos, só ilusões. Um Nada. E quando o Nada me invade de veneno os músculos a dança torna-se mais poderosa e a alegria é cega de limites e contradições. é espuma nos olhos vento na pele despida. sem medo. só calor e a água quase fria na ponta dos pés. sem medo outra vez. só sensações e realidades semânticas. sem palmas nem luzes artificiais, só o sol preso no fim do dia.

fios que quase se partem. que ironizam as noites que sobrevivem. que continuam a dança como se fosse sempre a última vez que se entendiam e inflamavam.

quase o fim