quarta-feira, 27 de maio de 2009

tenho inutilidades nas palavras
pedras esquecidas nos bolsos
livros fechados

tenho o cruzamento de veludo na minha frente

e as ruínas do meu castelo esquecidas nas minhas costas

pinto a pele com tintas gastas e que me contam histórias quase esquecidas, guardadas debaixo da cama perdida naquela casa onde nunca vi paredes

não me importo que não me saiba
espero por mim no fim do caminho

sexta-feira, 22 de maio de 2009

levo-te insistentemente debaixo das minhas unhas
que escreva o fim antes da partida e da exclusiva solitária derrota
que não escreva mais

que sejam estas mãos escravas de te encontrar

quinta-feira, 21 de maio de 2009

forço o silêncio de metal
as curvas da mesa ameaçam o fim do bailado
tenho cinza nos pulmões
restos de tabaco, sons despropositados

improviso
preciso de improvisar

tenho as garras do leão prontas mas dormentes, envoltas no véu esquecido por mim num dia quase quente de canções e poemários
sou sem margem, esbatida numa escrita compulsiva e odiosa
atraveso desertos sem vitórias nem derrotas, num caminho cadente que se desenrola nos meus pés

procuro as palavras de água insistentemente
sou plural na luta contra o real e a areia quente
sou fantoche de mim própria, luz de todos os dias sem cansaço ou sujeição
sou maior do que os ossos e os pensamentos atordoados
sou caos e chuva forte sem abrigo
sou o lar também improvisado, o poema sem rima ou condição, violência que só é sangue e respirar, que sou eu sem pudor nem continuidade

sou mais eu em ascenção
Nas margens do rio azul esperei sem mais que fazer do que amar e amar as pedras
e não há amor se não o que esquizofrenicamente se reproduz na noite quente sem pudor
não me afogo porque escolho respirar

terça-feira, 19 de maio de 2009

equilibro-me, só.

e sou fustigada por ventos de desgraça e raios de histeria criadora
estóica, não cedo, não vejo, nem canto a vitória
inundo-me de imaginação e cheiro a maçãs verdes
troco de pele a cada dia e a cada suspirar
não sou mais porque a melancolia é sempre a minha amada, a rua deserta do meu quarto, a mãe das palavras escritas sempre a meia luz
escolho de dia cada gesto e na noite deixo-me afogar
não sou palavras vãs, sou suspiros que transformo em palavras artesanais de loucura e compreensão

segunda-feira, 18 de maio de 2009

se estou em frente a este abismo crio pontes de pétalas de rosa e lá no fundo um rio revolto que me ampara as quedas e me ensina a respirar
estas mãos são a vida com as peles secas e cortadas pelo frio
debruço-me sem cansaço sobre mim e em construção
as pedras negras de palavras sobrepostas são uma nova tatuagem sem contornos
sou harmonia porque não me curvo perante a exaustão

improviso sobre folhas de papel na corrente de ar
e tudo o que faço são castelos de areia e de cimento milenar
são cantigas em fio de pescador sobre as horas cadentes e quotidianas

cada acordar é uma revolução e cada revolução uma angústia e um respirar

sábado, 16 de maio de 2009

esqueço-me da tua pedra, não quero as palavras cinzentas, prefiro a embriaguez e utopia do toque e da presença, o amor embrutecido de desesperança e luz. cada palavra é uma flor. e no meu peito cresce o canteiro selvagem que grita esse nome à exaustão.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

encaixo-te devagar dentro da minha concha. não te desespero porque és menos do que tu. és incondicionalmente parte da respiração hesitante. não te desejo, amo-te sem promessa nem história. quase sem poesia nem sentidos. neutra e levemente embriagada de imaginação. és mais meu do que todos os que me encantaram com olhos lânguidos. és o silêncio, a distância que enrolo como fios de lã presos nos meus braços em tardes de chuva. sopras ausências aos meus ouvidos sempre que acordo com a certeza de que não te sei, não te vejo, não te conheço quase. só te idealizo. só te desenho em paragens de autocarro abandonadas, imaginando que pelo menos um viajante poderia ter visto estas palavras se ali ainda passasse alguém. mas ninguém sabe. ninguém lê as palavras que te lanço na janela em noites de tempestade com a timidez de quem quer a solidão como morada. em espaços e depois o vento, só fica o vento.

terça-feira, 12 de maio de 2009

o braço esquecido na areia é a ponte entre a tranquilidade e a tempestade do teu corpo. alinho-me contigo num combate leal e coreografado. somos duas asas de um só passaro em revolta. oiço as notas da nossa sinfonia encaixarem-se em cada um dos meus dedos. se desisto de dançar é porque o sono se torna sozinho no bailado de final de temporada. bailado que termina interminavelmente. e sempre em glória.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

rewind

"Em jeito de não silêncio

Na busca de um caminho
encontro a tua poesia
porque as palavras não tenho dias para as dar
para as cantar num enrolado de sol e de ti
num sossego sem horas
num arco-iris de sombra e de sono
relembro histórias e olhos de espantar
escrevo na tua pele, no canto que ainda não sofre a passagem dos dias
e silencio-me como quem desaparece, se evapora
na angústia de não te escolher igual ao que foste
e reinventar-te
na paixão dorida dos dias
ter na mão a dádiva de recomeçar
tão só não ser de novo
ter a dádiva de duvidar
escrever
ser poesia enquanto não souber ser Mais Nada
inquietar-te
perturbando a tua apatia
desviar-te dos teus carris de ferro
numa explosão de sangue e vida cruel e brilhante
desvia-me também agora
esquece o depois que não tem corpo
chama-me hoje sem demoras
não deixes que o meu sangue passe para a imaginação
não deixes que de repente só saiba o cheiro mecânico dos meus gestos
espera que eu chegue lenta pela porta
doente de sono e de espera e saudade tortuosa
envolve-me em garras de silêncio
estilhaça o meu corpo contra o teu se não houver outro caminho
Ama-me sem olhos esquecidos
decora de novo as curvas do meu braço
Não posso ter outro caminho
Não te assustes com o grito do leão
Ele está dolente no meu colo
Amo-te se em si palavras têm o que dizer

Amo-te

dizem feridas as mãos cansadas de costurar um outro sítio
não me deixes mais escrever ou chorar ou cantar um novo dia
só sei ver se ouvir de noite a tua voz"

Junho 2005

domingo, 10 de maio de 2009

sinto o toque em forma de história e canção
abandono-me sem coragem
em paz tento em vão o regresso claro
e respiro-te, porque me falta o alimento
falta-me mais sangue e força bruta
falta-me não ter chão, dói-me na pele a pedra fria
desespero em agonia baixinha querendo que a voz te encante e te comova
procuro sem descanso a única palavra que me conhece

o teu nome à exaustão

sexta-feira, 8 de maio de 2009

peço o infinito

nunca menos

é tão só a esperança de te ver vacilar entre o chão do desalento e a queda livre
livre de escolha e improvisação

quinta-feira, 7 de maio de 2009

não posso mais lutar contra este gigante contra o combate que é viver só contra ti que não és terra nem sombra és amor e tempestade és todo este corpo em apoteose és futuro em ebulição presente cálido e luminoso és tu e tu e tu enquanto de pé insistir na luta irreal de um acordar com os olhos postos na tua mão abandonada na almofada

és forma de papel escrito e linhas riscadas
és a voz calada na garganta
és uma carta, um envelope, pó de papel abandonado
és o meu insinuante silêncio em reboliço
nada é agora mais teu que esta poesia
no dia em que te estilhaçaste, tornaste-te múltiplo e maior
canto-te em ausência
ofereço-te as palavras porque tudo o que sobra é névoa imprevisível
procuro sempre
arrisco a lucidez e partes inconstantes de silêncio
escrevo no combate ao abismo, em cada uma destas palavras construo mais a teia que se encarrega de traçar o caminho entre esta solidão e a tua
junto aos ossos lúcidos tenho o segredo da minha loucura
o silêncio que torna nebulosa a tarde campestre de vento e sol
o toque invisível na noite irreal, a derrocada final de um real seco e previsível
não esqueço que um dia a tua voz soou cantante
no dia exacto de mais um suicídio da memória

quarta-feira, 6 de maio de 2009

ilusório acordar com petálas de rosa
foi o minuto de glória de um caminho de pedras secas
é uma casa de pano doce e fresca no inverno disfarçado de força bruta
claro renascer sob as campas desertas nas tardes quentes
fim inexplicável e quimericamente extinto
silêncio
outras janelas costuradas nas minhas costas para que a vista do mundo nunca deixe de me inundar os pulmões

segunda-feira, 4 de maio de 2009

és uma imagem diluída, cheiro a lixo e a restos de ervas mortas
tenho o meu dia distante de cada um dos teus gestos
heroicamente deixei de precisar do aceno suave ao fim do dia, a recordação tão só da minha existência
sofro no casulo as feridas que me criaste em silêncio e ausência, não te sei os traços nem o quotidiano rasgado do meu
esqueço-te com mais coragem do que te amei sem chão ou alento
desfiz-te em vidros partidos
a ti e a todos
e sem humanidade alguma recolhi os restos mortais do meu espelho e comecei e reconstruir qualquer coisa
para voltar a existir narcisicamente em mim